domingo, 3 de março de 2013

O maniqueísmo dos contos da realidade




Este texto está sendo repostado, devido às conspirações malignas que o fizeram desaparecer misteriosamente do blog. Foi inspirado numa notícia que era recente à época em que foi escrito.

Recentemente morreu um cinegrafista da rede Bandeirantes enquanto este filmava arriscadamente uma operação policial, quando ocorria um tiroteio entre policiais e infratores da lei. O cinegrafista foi atingido por uma bala de um destes últimos. Enquanto lia comentários nas notícias sobre o caso em alguns sites, foi desapontador, apesar de não ser nenhuma surpresa, encontrar algumas ideias "revolucionárias".

O consenso geral era de que assassinos deveriam morrer, eram uns sem-vergonhas, nojentos, podres, deveriam ser "furados de bala" e etc. Em um dos comentários utilizaram como argumento que "direitos humanos" só poderiam ser para pessoas "direitas", como o próprio nome diz. Realmente, melhor botar fogo nas penitenciárias, resolve logo o problema, não é? Essas conclusões são fruto de um certo condicionamento pelo qual passamos desde pequenos.

Através da literatura, do cinema, das religiões, de certos ensinos de História, entre outras maneiras, nos é incutido conceitos de "bem e mal". Isso é fortemente refletido na mídia, que sempre nos passa informações com essa ideia maniqueísta, fortalecendo essa visão no senso comum.
Sempre há Deus e o Diabo, o cowboy e o índio, Dorothy e a bruxa má do oeste, o policial e o marginal, o homem e a mulher, a galinha e a raposa, os servos e os nobres, a ovelha e o lobo, os EUA e a URSS, a população e os políticos e diversos outros exemplos de divisões dualistas de "bem e mal", "mal e bem".

Essas divisões trazem consequências terríveis para o entendimento das relações sociais. Estabelecendo quem é "do bem" ou "do mal" numa sociedade complexa como a de nossa realidade, ignoram-se as subjetividades. E por subjetividades entendam todas as diferenças encontradas numa estrutura social: entre indivíduos, classes, profissões, ideologias, oportunidades, situações de vida, etc. Sem enxergar tais diferenças, somos incapazes de ter um julgamento justo sobre determinado caso, já que não conseguiremos nos colocar no lugar do outro.

Retomando os comentários da notícia com que introduzi o texto, vemos facilmente essa incapacidade. As pessoas julgam pelos seus valores a culpa de quem deu o tiro, sem levar em conta a situação do sujeito. Qual a história de vida dele? Quis realmente matar o cinegrafista (nem sempre se atira para matar)? Por que estava metido naquele tiroteio? Que apoio obteve do Estado a partir do momento que nasceu? Quando fazemos perguntas mais e mais profundas e procuramos respostas, rapidamente percebemos que o "bandido" não é o total culpado pela situação. 

Há uns versos do poeta Bertolt Brecht que sempre utilizo, nunca me canso de repetir a quem quer ouvir, para ilustrar essa ideia:

Do rio que tudo arrasta
se diz que é violento.
Mas ninguém diz violentas as
margens que o comprimem.

Em resumo, existem uma série de fatores que nos levam a ser ou agir de determinada maneira. Dificilmente podemos julgar com certeza se esta ou aquela ação é "boa" ou "má", sem antes fazer uma análise aprofundada. Quando o fazemos, percebemos que não há essa dualidade, nada é preto ou branco, e sim com vários tons de cinza. A visão maniqueísta só nos leva a diminuir a nossa capacidade de tolerância, imprescindível para garantir que todos os humanos vivam com dignidade. Um defensor da solução através do diálogo no Oriente Médio nos pôs algo a pensar quando disse: "O inimigo é alguém cuja história não ouvimos" (mencionado por Slavoj Žižek, no livro "Em defesa das causas perdidas").

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