Este texto está sendo repostado, devido às conspirações malignas que o fizeram desaparecer misteriosamente do blog. Foi inspirado numa notícia que era recente à época em que foi escrito.
Recentemente morreu um cinegrafista da rede
Bandeirantes enquanto este filmava arriscadamente uma operação policial, quando
ocorria um tiroteio entre policiais e infratores da lei. O cinegrafista foi
atingido por uma bala de um destes últimos. Enquanto lia comentários nas
notícias sobre o caso em alguns sites, foi desapontador, apesar de não ser
nenhuma surpresa, encontrar algumas ideias "revolucionárias".
O consenso geral era de
que assassinos deveriam morrer, eram uns sem-vergonhas, nojentos, podres,
deveriam ser "furados de bala" e etc. Em um dos comentários
utilizaram como argumento que "direitos humanos" só poderiam ser para
pessoas "direitas", como o próprio nome diz. Realmente, melhor botar
fogo nas penitenciárias, resolve logo o problema, não é? Essas conclusões são
fruto de um certo condicionamento pelo qual passamos desde pequenos.
Através da literatura, do
cinema, das religiões, de certos ensinos de História, entre outras maneiras,
nos é incutido conceitos de "bem e mal". Isso é fortemente refletido
na mídia, que sempre nos passa informações com essa ideia maniqueísta, fortalecendo
essa visão no senso comum.
Sempre há Deus e o Diabo,
o cowboy e o índio, Dorothy e a bruxa má do oeste, o policial e o marginal, o
homem e a mulher, a galinha e a raposa, os servos e os nobres, a ovelha e o
lobo, os EUA e a URSS, a população e os políticos e diversos outros exemplos de
divisões dualistas de "bem e mal", "mal e bem".
Essas divisões trazem
consequências terríveis para o entendimento das relações sociais. Estabelecendo
quem é "do bem" ou "do mal" numa sociedade complexa como a
de nossa realidade, ignoram-se as subjetividades. E por subjetividades entendam
todas as diferenças encontradas numa estrutura social: entre indivíduos,
classes, profissões, ideologias, oportunidades, situações de vida, etc. Sem
enxergar tais diferenças, somos incapazes de ter um julgamento justo sobre
determinado caso, já que não conseguiremos nos colocar no lugar do outro.
Retomando os comentários
da notícia com que introduzi o texto, vemos facilmente essa incapacidade. As
pessoas julgam pelos seus valores a culpa de quem deu o tiro, sem levar em
conta a situação do sujeito. Qual a história de vida dele? Quis realmente matar
o cinegrafista (nem sempre se atira para matar)? Por que estava metido naquele
tiroteio? Que apoio obteve do Estado a partir do momento que nasceu? Quando
fazemos perguntas mais e mais profundas e procuramos respostas, rapidamente
percebemos que o "bandido" não é o total culpado pela situação.
Há uns versos do poeta Bertolt
Brecht que sempre utilizo, nunca me canso de repetir a quem quer ouvir, para
ilustrar essa ideia:
Do rio que tudo arrasta
se diz que é violento.
Mas ninguém diz violentas as
margens que o comprimem.
Em resumo, existem uma série de fatores que nos levam a ser ou agir de determinada maneira. Dificilmente podemos julgar com certeza se esta ou aquela ação é "boa" ou "má", sem antes fazer uma análise aprofundada. Quando o fazemos, percebemos que não há essa dualidade, nada é preto ou branco, e sim com vários tons de cinza. A visão maniqueísta só nos leva a diminuir a nossa capacidade de tolerância, imprescindível para garantir que todos os humanos vivam com dignidade. Um defensor da solução através do diálogo no Oriente Médio nos pôs algo a pensar quando disse: "O inimigo é alguém cuja história não ouvimos" (mencionado por Slavoj Žižek, no livro "Em defesa das causas perdidas").
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