quinta-feira, 18 de outubro de 2012

O asfalto, o tédio, o nojo, o ódio, o preconceito furados


A Rosa é liberdade.

A Rosa é impedida de ser livre.

Nos quadrinhos “V de Vingança”, há a representação de um governo totalitário e desumano, no qual homossexuais, negr@s e comunistas eram jogad@s em campos de concentração, onde eram mort@s após serem utilizad@s como cobaias para experimentos. Valerie, lésbica presa num desses campos, escreve, em poucas páginas, sua vida, tentando imortalizar um pouco de si numa carta. Nesta carta, expressava sua esperança: de que o mundo mudasse, as coisas melhorassem e que, um dia, as Rosas, desaparecidas daquele governo, voltassem.

No nosso mundo real, o mundo globaritário, há os que tentam (e às vezes conseguem), fazer com que as Rosas desapareçam. Não querem que a Rosa seja semeada, não querem que surja seu botão, não querem que o botão se estenda em direção ao sol, não querem que a Rosa desabroche. Sobretudo que a Rosa desabroche! Por quê? A Rosa desabrochada mostra às outras que elas também podem. E apesar de sua aparente fragilidade, a imponência de sua beleza a torna resistente.

Mas que caminho a Rosa teve que enfrentar para se estabelecer tão forte! Que caminho! Algumas esmorecem no meio, não chegam mesmo a desabrochar. Outras, mesmo na sua fortaleza desabrochada, não conseguem impedir a faca que corta seus espinhos e a arranca de suas raízes. Ainda há as que precisam ir, quando seu tempo chega. Porém, qual seja a forma como suas almas foram levadas a deixar o mundo, suas memórias ficam firmes nele. Pois elas lutaram! Sim, essas Rosas lutaram e deixaram essa grande herança que é a luta. Seu exemplo fica para os botões que ainda estão se desenvolvendo.

A Rosa negra, orgulhosa de sua cultura ancestral que se espalhou pelo mundo em meio ao período da escravidão. A Rosa que não encontra seu lugar na maioria, e procura um grupo de Rosas com as quais forma uma “tribo” que a identifica e a ajuda a enfrentar o estigma. A Rosa mulher, que tenta contornar os estereótipos milenares de sua inferioridade. A Rosa ridicularizada por sonhar com um mundo melhor, porque sabe que “impossível” e “nunca” são palavras inventadas para que a palavra “utopia” não se fortaleça a ponto de saltar para a realidade. A Rosa que enche sua vida de arte e subjetividade, sendo tachada de louca por não seguir a manada. A Rosa que dança e canta forró, rap, funk, pagode, na procura da música que reflita sua vida, não a vida dos que dominam a cultura considerada de qualidade. A Rosa lésbica, bi e gay, que colore sua vida de um amor diferente que o mundo teme conhecer. A Rosa pobre, que precisa se desdobrar para (sobre)viver em meio a falta de recursos e os olhares pouco solidários que recebem. A Rosa que nasce em um corpo e pensa como outro, se traveste e se transforma em direção à liberdade de sua mente, que não se limita pelo físico. Nossa, quantas mais Rosas eu poderia falar! São tantas! Não sou capaz de listar todas. Mas são todas Rosas, e, como tais, elas desabrocham e resplandecem à vista de todos. Belas e imponentes, preparadas, com seus espinhos, para a defesa.
 
Ah, Drummond, deixe-me roubar um pouco de suas palavras para falar dessas lindas Rosas, que lutam e furam o asfalto, o tédio, o nojo, o ódio e, sobretudo, o preconceito!

Belas Rosas que vão lutando desde o botão, para conseguir alcançar o ar livre, respirar. E quando alcançam, precisam ainda lutar para se manter, para que nenhuma força maior venha arrancá-las de suas raízes.

Entretanto, o mais importante é que, mesmo com toda essa necessidade de lutar, apesar de “vocês”, amanhã e depois e depois e depois e depois e depois e depois... virão outros dias, dias nos quais mais Rosas sempre estarão desabrochando.

Em homenagem a Joris e Ana Catarina, que antes de
mim já sabiam  das Rosas e me ajudaram a enxergá-las.


Essa busca do infinito...


Aceitemos que o diferente não é natural. Que o diferente é uma distorção do ser humano. O normal é o homem ter nascido para ser homem e amar a mulher. E a mulher ter nascido para ser mulher e amar o homem. Querer mudar o gênero com o qual nasceu, amar alguém do mesmo gênero que você é uma distorção mental. Amar ninguém também é uma distorção. Ou não querer transar com ninguém. Não querer viver com apenas uma pessoa para o resto da vida é outra distorção. Modificar o próprio corpo em busca de beleza, identidade, também. Todas essas fugas do comum são distorções mentais, pois não foi assim que o ser humano foi feito, não é assim que ele nasceu. Certo, admitamos tudo isso. Deixamos, então, satisfeitos os que têm fobia ao diferente.

Agora, está na hora de outra verdade. E essa verdade é que o ser humano não nasceu para ser o que é. Pois ele possui duas pernas para caminhar, braços para manusear, órgãos para reproduzir. Ainda que tenha sido feito para caminhar, o ser humano desejou se lançar ao oceano, ao ar, ao espaço, buscar formas mais rápidas para se locomover. Ainda que tenha sido feito apenas com mãos, o ser humano desejou moldar a madeira, a pedra, o metal, os minérios e tantos outros elementos para auxiliá-lo na transformação do mundo. Ainda que tenha sido feito com órgãos cujo intuito inicial era a reprodução, o ser humano desejou o prazer, e esta busca religião alguma jamais conseguiu refrear.



O ser humano sempre desejou e realizou ir além. Invadir os limites da sua capacidade física e os territoriais que sua anatomia impunha, explorar as possibilidades de transformação do mundo, procurar a ordem que ditava o sistema do mundo. Essas buscas sempre foram uma sina do ser humano, que permitiu o desenvolvimento dos mitos, da religião, da ciência e da tecnologia. E não foi por escolha, o desejo por essas buscas é irrefreável e apenas prisões externas poderiam impedi-lo de se manifestar, assim como impediram algumas vezes e impedem hoje na busca do íntimo.


Por que seria errado ir além e explorar a própria mente, a própria sexualidade, o próprio desejo, a própria aparência (não porque a sociedade exige que você se adeque a um padrão de beleza, mas para procurar seu próprio padrão)? Por que é louvável ousar em explorar o ambiente onde se encontra (atingindo assim a todos), porém é reprovável explorar o próprio íntimo (que diz respeito apenas ao próprio indivíduo)? Fernando Pessoa, sob pseudônimo de Álvaro de Campos, falava sobra a importância de "arrumar a mala de ser". Ora, nós arrumamos a mala para viajar, então sigamos o conselho do grande poeta e viajemos no infinito do nossa alma e seus desejos.

domingo, 8 de abril de 2012

Idealizando a Revolução

Nos tiraram tudo. Se apropriaram. Tornaram o que era nosso seu lucro. Nos tiraram as artes. Música, fotografia, artes plásticas, literatura. Tudo aquilo que faz o ser humano se apaixonar. Nos tiraram os ideais. O ideal de paz, de liberdade, de igualdade, de amor, de revolta, de revolução, de mudança. Tudo aquilo que faz o ser humano lutar.

Aquele estilo revolucionário que era o Rock? Agora é nome usado para aumentar o lucro de qualquer lixo comercial, e não só na música. O anarquismo? O Punk? Criaram bandas para que comprássemos suas camisas e déssemos dinheiro para porcos capitalistas nojentos. O socialismo, o comunismo? A ideia de revolução? Espalharam o rosto de Che Guevara por camisas, chaveiros, mochilas, chapéus, bonés, tênis.

O que se há de fazer quando um alienado qualquer sai por aí dizendo “paz e amor”? Quando qualquer “especialista” em Guitar Hero evoca Anarchy In The U.K. sem ter ideia de como Sex Pistols denigre a imagem do anarquismo? Quando qualquer defensor inconsciente da direita tem como maior ídolo Roger Waters? Quando sugam nosso dinheiro através de álbuns como “...And Justice For All” do Metallica? Quando abusam da nossa solidariedade misturada com ingenuidade com o Criança Esperança?

A saída seria recusar tudo de que se apropriaram e criaram? Fugir? Mas não estaria nada solucionado. Ainda poderiam rir e se empaturrar de dólares, já que sobrariam muitos outros para alimentá-los. Prefiro um modo de resolução mais astuto. Algo mais eficaz. Algo que, no futuro, seja assustador para “eles”. Nos tiraram tudo. Vamos pegar de volta. E pegar ainda mais, pegar o que é “deles”!

Che Guevara está em uma camisa? Você que compreende a história desse cara, use-a! A trilogia “Matrix” provem da potência mais violenta da história? Você que sabe o quanto esses filmes estão cheios de metáforas sobre nosso mundo, idolatre-os! Guitar Hero cria posers, que têm conhecimento superficial sobre Rock mas pensam que sabem muito? Jogue Guitar Hero com eles e mostre com ternura a verdade!

Não importa o quanto uma ideia, um produto, um estilo musical, um livro, (qualquer coisa que seja comercializável) gere rios de dinheiro para “eles”, não rejeite. Tome para si. Dê o SEU significado. Aquele que você acredita. Aquele que você quer que seja VISTO. E o FAÇA ser visto. Há várias maneiras de fazê-lo. A internet (já é uma criação capitalista que estará usando!) é um ótimo meio, outro é através das suas relações pessoais.

Pode parecer inútil, mas a verdade é que nenhum de nós, provavelmente nem mesmo nossos tataranetos, viveremos para ver “eles” caírem. O feudalismo suportou mais de 1000 anos. “Eles” também podem suportar. Porém, nós temos o poder de diminuir essa sua capacidade de resistência.

E fazemos isso com gestos grandes que, confrontados com o todo, são pequenos, mas não o são quando acumulados em vários locais e durante anos. É nisso que temos que nos agarrar. Não na derrota quase certa pelos próximos anos. Mas na alta possibilidade de vitória daqui a muito tempo. E aí, como diz o ditado: quem rir por último, irá rir melhor.

Original do vídeo, mas não consegui postar pelo Youtube:

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Canções à la chanson

Dessa vez estou postando para dar uma de metida a sabida de música falar um pouco de uma grande artista que meu pai descobriu há pouco tempo, me mostrou e desde então fiquei fissurada. 

Zaz, nome artístico da jovem francesa Isabelle Geffroy, é um daqueles talentos raros que se destacam facilmente, mesmo entre bons músicos. Sua grande revelação foi em 2010, com o lançamento do seu álbum homônimo. Ano passado lançou a edição limitada desse álbum e um Live. 

Seu sucesso é maior nas paradas europeias, sendo pouco conhecida no Brasil (um pequeno parênteses para comentar como é importante a internet para a disseminação da arte em geral, arte essa que não deveria ser prendida pelo dinheiro), mas com tanto talento, espero que isso mude nos próximos anos, ainda mais considerando seu sucesso nos meios virtuais. Mas sabemos que talento nem sempre é sinônimo de fama.

Acredito que boa parte dos motivos dela estar chamando a atenção, provém da variação das fórmulas da música popular: originalidade é o que não falta nos álbuns da cantora. As composições presentes neles trazem elementos de jazz e soul, mas com a pitada do chanson, estilo tipicamente francês, (que também é a língua na qual as músicas são cantadas) o que torna o trabalho da Zaz diferenciado. Ainda temos sua voz, "instrumento" que ela domina perfeitamente, e é simplesmente inconfundível. E aqueles problemas em relação aos "lives", tão comuns com artistas pops? Essa garota tira de letra.

Zaz não foge ao dito de que músicos realmente bons têm seu brilho no palco. Ouvindo seu álbum ao vivo, Live Tour: Sans Tsu Tsou, somos surpreendidos com uma interpretação espontânea, intensa e diversificada, indo da animação de músicas como Ni Oui Ni Non ao intimismo de Eblouie Par La Nuit. Com sua originalíssima voz, Zaz transmite sentimentos tão bem que a linguagem passa longe de ser um obstáculo na sintonia do ouvinte com a música. Pelo contrário, o francês acaba tornando a audição ainda melhor, por soar inovador aos nossos ouvidos acostumados ao inglês, pelo menos nesse estilo musical. E as surpresas não acabam por aí.

Com o Sans Tsu Tsou, também somos contemplados com um belo instrumental. O destaque do álbum é o baixo acústico, um deleite aos ouvidos, principalmente no grande hit Je Veux. A ótima Ma Folie também dá um bom destaque aos instrumentos, e foi uma das músicas inéditas que mais me agradou. Isso apenas para mencionar alguns nomes, pois em todas as músicas do álbum temos a graça de curtir um belo som, além da vocalista. 

Por ser som de ótima qualidade, com vários pontos positivos (o único defeito relevante é a semelhança demasiada entre algumas composições), conclui-se que se Zaz fosse mais conhecida por aqui, com certeza o álbum estaria em muitas listas dos melhores de 2011. Mas se você ainda acha que a obra não merece um pouco do seu tempo para ouvi-la, então nem que seja por Zaz ser uma dos poucos bons artistas atuais que alcançam uma certa fama, indico que ouça pelo menos algumas composições dessa francesinha de voz inigualável, mesmo que o estilo não seja o que mais te agrada, pois ouvir boa música nunca é desperdício.