-Papai, o que é esta coisa...?
O pai, que até aquele momento olhava embevecido como era incrível o seu pequeno de cinco anos escrevendo pequenas palavras na sua letra torta e hesitante, acordou de sua contemplação sem entender o filho.
-Que coisa, rapazinho?
-Ah...eu não sei fazer você entender...é essa coisa que fica passando...em volta da gente...
-Uma coisa passando em volta da gente? Você quer dizer o ar, o vento?
-Não, não, não! É mais grande, mais forte que o vento!
-Mais forte que o vento?
-Papai, pare de repetir o que tô falando! Assim você não vai responder nada pra mim!
Provavelmente era pai de primeira viagem, devia ter sido avisado muitas vezes sobre os questionamentos da curiosadade das miniaturas de gente que tudo querem saber, dando-lhe a ideia de que seriam perguntas difíceis de fazer seu filho compreender, não o contrário.
Suspirando de impaciência diante do silêncio estarrecido do pai, o garoto insistiu:
-Papai, você sabe do que eu tô falando... é essa coisa, diferente, uma força... Eu sinto essa coisa passar por mim e sei que é ela que deixa as coisas nos seus lugares... Entende, papai?
O menino se esforçara muito para tentar explicar sua dúvida, parando para pensar e engelhando a testa. O que dissera deixara o pai ainda mais confuso, tornando a cena um tanto hilária. Pai e filho, muito parecidos e com as testas engelhadas, se encaravam e era como se olhassem reflexos de um espelho do passado e futuro.
O garoto pareceu desistir e voltou a escrever palavras repetidas no caderno de caligrafia. Diante disso, o pai baixou a cabeça, pensativo.
Pouco tempo depois, o pequeno resolveu ser mais ousado na sua filosofia infantil:
-Papai, essa coisa... ela é Deus?
Logo após passar o choque ante a capaciade daquela cabecinha, o rosto do pai mostrou compreensão. Era simples a dúvida do garoto. Ele descobria aquela magia que explicava o que a complexa racionalidade da ciência (não desenvolvida na lógica sincera das crianças), não podia nem mesmo compreender, aquela magia que rege o mundo, dá tanta beleza a tudo, leva morte a alguns, mas vida a outros.
Um ser há tão pouco tempo no mundo fazia um homem feito se admirar e sorrir feito bobo.
O suspense agradável da cena foi quebrado pela chegada da garçonete, trazendo a refeição dos dois. Fui distraída por outra garçonete que trazia minha conta. Quando livrei-me do pagamento, a cena singular já tornara-se um simples almoço, ambos concentrados em seus pratos.
Deixei a dupla com suas dúvidas e admirações, imaginando para onde iria toda aquela nossa capacidade inata de perceber o mundo, como fizera o pequeno garoto, ao virarmos adultos tão maduros e inteligentes.