sábado, 9 de março de 2013

As rosas nas ruas


Nesse dia 8 (o texto deveria ter estado pronto até o próprio dia 8, mas acabei escrevendo demais e, por consequência, demorei demais a postar) participei de um ato realizado por diversos grupos feministas de Natal, em virtude do Dia Internacional (da Luta) da Mulher. Então, aí vai um pouco sobre como me senti nesse evento.

Foi meu primeiro verdadeiro Dia Internacional (da Luta) da Mulher. Quando tive uma experiência que JAMAIS esquecerei. A primeira vez que fui às ruas em nome de algo. E o melhor, foi por algo que me envolve completamente: o feminismo. A luta pela igualdade e pela liberdade. Sim, pela igualdade, liberdade e ponto. É isso que acredito ser o objetivo da luta feminista, não apenas igualdade entre gêneros e liberdade em relação a padrões de gênero. Mas igualdade e liberdade. E o que vivenciei hoje confirmou ainda mais essa minha visão.


Parece tão difícil pôr em palavras o tanto de sentimentos que tive hoje... Um êxtase. Uma indignação. Uma alegria. Um furor. Uma vontade de dançar (e logo eu! Eu que nunca me sinto à vontade dançando!). Uma solidariedade. Uma fraternidade. Uma sororidade. Uma comunhão. Uma união. Uma felicidade. Um desejo de gritar pelas minhas lutas!

Esses sentimentos se misturavam em minhas reações às sucessões de acontecimentos durante essa tarde maravilhosa que tive, com coisas tão marcantes:

A dança. Poxa, parecia que o ato dependia da dança! Para mim, dançar surgiu com uma conotação totalmente diferente. Nunca curto muito dançar, a não ser que seja em algum jogo... Mas parecia que fluía algo diferente naquelas danças... Como se o simples movimento ritmado (ou não, no meu caso) reivindicasse junto com as palavras.

As músicas. Quão perfeitas eram as músicas! Delicioso lutar por “ser feliz e andar tranquilamente com a roupa que escolhi”, esclarecer que “as mulheres tão na rua e tão querendo o que, elas querem poder, elas querem poder”, declarar que “sem mulher a luta vai pela metade” então o ato é “pra mudar a sociedade, do jeito que a gente quer, participando sem medo de ser mulher” e deixar bem claro que “abajo el patriarcado que va a caer, va a caer, abajo el machismo que va a caer, va a caer e arriba o feminismo que vai vencer, que vai vencer!” (mistura de português com espanhol muito fofa). Citando apenas algumas das várias músicas que eram cantadas durante o ato.

As palavras de ordem. Quando estavam sendo gritadas foram os momentos em que mais me arrepiava. “A nossa luta é por respeito, mulher não é só bunda e peito!” Arrepios infinitos. “Eu não sou miss, nem avião, minha beleza não tem padrão!” Infla os pulmões para gritar o mais alto possível. “A nossa luta é todo dia contra o machismo, o racismo e a homofobia!” Amor eterno por essa.

Os discursos. Alguns mais excitantes, outros menos, mas todos eles lindos por virem de mulheres lindas, por estarem todas na luta. Um dos momentos em que mais senti o êxtase de estar ali foi quando a representante do Levante Popular da Juventude (perdoem-me não decorar o nome de muitxs que estavam lá) discursou: “Dia 8 de março, não é dia flores, não é dia de rosas, não é dia de chocolate, é dia de PERDER A PACIÊNCIA!” Sem falar na fala maravilhosa da representante da Articulação de Mulheres Brasileiras, colocando em seu discurso seu repúdio (compartilhado por todxs ali) ao fato de Marco Feliciano ter sido escolhido para presidir a Comissão de Direitos Humanos e dizendo que “queremos que os fundamentalistas vão para aquele lugar”. Momento épico!

Os espectadores. Tive a oportunidade de observar a reação das pessoas que não faziam exatamente parte do ato por ter ajudado a distribuir alguns panfletos do ato. Algumas pessoas ignoravam toda aquela movimentação. Porém outras, muitas, bem mais do que eu esperaria, demonstravam forte apoio ao ato. Tantxs vendedorxs que foram para frente das lojas aplaudir, gritar junto, aparentar felicidade! Pessoas deixando de seguir seus caminhos para ouvir os discursos. Pessoas me pedindo os panfletos. Pessoas lendo os panfletos. O vendedor de uma loja elogiou meu boton com as cores do movimento LGBT, dizendo que era lindo e chegou mesmo a pedi-lo! Infelizmente, naquela hora eu só pude pensar que havia ficado muito feliz quando tinha conseguido aquele boton e acabei recusando. Agora estou um tanto arrependida, deveria ter entregue ao moço, que sorria de forma tão amigável e sincera ao pedir. Mas vou me permitir não sofrer muito com esse arrependimento que, perto de todas as outras coisas que fizeram minha tarde tão incrível, parece apenas um cisquinho. Mas tudo isso confluiu para dar uma certeza: nas ruas, você puxa as pessoas para a luta!

O sentimento de comunhão com todos os que apoiavam o ato. Nunca havia sentido uma ligação desse tipo com outras pessoas. Uma ligação que me fazia amar e achar maravilhosxs todxs ali, até mesmo sem nunca ter visto, conhecido, sabido o nome de alguns!

Os sorrisos. Sim, os sorrisos. Nossa, como as pessoas sorriam! Era contagiante! Flashes dos momentos em que olhava para alguém e via essa pessoa sorrindo ficaram gravados na minha mente. As mulheres sorrindo. Os homens sorrindo. Crianças sorrindo. Sorrindo enquanto dançavam. Enquanto cantavam. Enquanto punham para fora palavras de ordem. Enquanto apenas assistiam a manifestação passar. E eram sorrisos tão absurdamente sinceros, tão lindos. Eles fizeram com que toda a tarde fosse bela. Para mim, a maior beleza do ato foram os sorrisos.

Só posso dizer uma coisa: que venham outros eventos como esse em minha vida!

                        

domingo, 3 de março de 2013

O maniqueísmo dos contos da realidade




Este texto está sendo repostado, devido às conspirações malignas que o fizeram desaparecer misteriosamente do blog. Foi inspirado numa notícia que era recente à época em que foi escrito.

Recentemente morreu um cinegrafista da rede Bandeirantes enquanto este filmava arriscadamente uma operação policial, quando ocorria um tiroteio entre policiais e infratores da lei. O cinegrafista foi atingido por uma bala de um destes últimos. Enquanto lia comentários nas notícias sobre o caso em alguns sites, foi desapontador, apesar de não ser nenhuma surpresa, encontrar algumas ideias "revolucionárias".

O consenso geral era de que assassinos deveriam morrer, eram uns sem-vergonhas, nojentos, podres, deveriam ser "furados de bala" e etc. Em um dos comentários utilizaram como argumento que "direitos humanos" só poderiam ser para pessoas "direitas", como o próprio nome diz. Realmente, melhor botar fogo nas penitenciárias, resolve logo o problema, não é? Essas conclusões são fruto de um certo condicionamento pelo qual passamos desde pequenos.

Através da literatura, do cinema, das religiões, de certos ensinos de História, entre outras maneiras, nos é incutido conceitos de "bem e mal". Isso é fortemente refletido na mídia, que sempre nos passa informações com essa ideia maniqueísta, fortalecendo essa visão no senso comum.
Sempre há Deus e o Diabo, o cowboy e o índio, Dorothy e a bruxa má do oeste, o policial e o marginal, o homem e a mulher, a galinha e a raposa, os servos e os nobres, a ovelha e o lobo, os EUA e a URSS, a população e os políticos e diversos outros exemplos de divisões dualistas de "bem e mal", "mal e bem".

Essas divisões trazem consequências terríveis para o entendimento das relações sociais. Estabelecendo quem é "do bem" ou "do mal" numa sociedade complexa como a de nossa realidade, ignoram-se as subjetividades. E por subjetividades entendam todas as diferenças encontradas numa estrutura social: entre indivíduos, classes, profissões, ideologias, oportunidades, situações de vida, etc. Sem enxergar tais diferenças, somos incapazes de ter um julgamento justo sobre determinado caso, já que não conseguiremos nos colocar no lugar do outro.

Retomando os comentários da notícia com que introduzi o texto, vemos facilmente essa incapacidade. As pessoas julgam pelos seus valores a culpa de quem deu o tiro, sem levar em conta a situação do sujeito. Qual a história de vida dele? Quis realmente matar o cinegrafista (nem sempre se atira para matar)? Por que estava metido naquele tiroteio? Que apoio obteve do Estado a partir do momento que nasceu? Quando fazemos perguntas mais e mais profundas e procuramos respostas, rapidamente percebemos que o "bandido" não é o total culpado pela situação. 

Há uns versos do poeta Bertolt Brecht que sempre utilizo, nunca me canso de repetir a quem quer ouvir, para ilustrar essa ideia:

Do rio que tudo arrasta
se diz que é violento.
Mas ninguém diz violentas as
margens que o comprimem.

Em resumo, existem uma série de fatores que nos levam a ser ou agir de determinada maneira. Dificilmente podemos julgar com certeza se esta ou aquela ação é "boa" ou "má", sem antes fazer uma análise aprofundada. Quando o fazemos, percebemos que não há essa dualidade, nada é preto ou branco, e sim com vários tons de cinza. A visão maniqueísta só nos leva a diminuir a nossa capacidade de tolerância, imprescindível para garantir que todos os humanos vivam com dignidade. Um defensor da solução através do diálogo no Oriente Médio nos pôs algo a pensar quando disse: "O inimigo é alguém cuja história não ouvimos" (mencionado por Slavoj Žižek, no livro "Em defesa das causas perdidas").